O Grande ABC viu no ano passado o surgimento de cerca de três mil empresas comerciais e industriais, de acordo com estimativa do escritório regional da Junta Comercial do Estado de São Paulo, situado em Santo André. Apesar de algumas ressalvas, representantes das associações comerciais e industriais da região festejaram o grande número de novos negócios no período. O escritório contabilizou 1.565 aberturas mas, de acordo com o advogado regional da Jucesp, José Miguel Fagundes, cerca de 50% dos empresários recorrem diretamente à sede da Junta, em São Paulo — que não informa o número exato de aberturas e fechamentos. Mesmo com essa observação, o volume de novos empreendedores, considerando-se apenas o registrado pelo órgão na região no ano 2000, foi considerado bastante significativo.
“Essas aberturas são um sinal muito positivo. Mostra a confiança que se tem na região e especialmente em Santo André”, disse o presidente da Acisa (Associação Comercial e Industrial de Santo André), Wilson Ambrósio da Silva. Ambrósio explicou que o “período crítico” dos novos empreendimentos compreende os dois primeiros anos de atividade. Esse é o prazo em que o empresário se firma no mercado.
O presidente da Acisbec (Associação Comercial e Industrial de São Bernardo), Valter Moura, fez observações semelhantes: “Ainda há uma mortalidade infantil muito grande dos micros. Mesmo assim, é um crescimento muito bom, que mostra que 2000 foi um ano muito bom para a economia”, afirmou. “O fato de muitos passarem à formalidade demonstra que há confiabilidade na economia”.
Além de ver o número como um sinal de crescimento econômico no ano passado, o presidente da Acid (Associação Comercial e Industrial de Diadema), Alberto Tossunian, ressaltou que no Município há muitos galpões fechados e os proprietários desses imóveis estariam reduzindo o valor dos aluguéis comerciais, tornando Diadema mais atraente para receber novas empresas.
À falta de políticas consistentes de desenvolvimento econômico, é comum às entidades empresariais procurarem encher a bola do ego regional com estatísticas tão pontuais quanto canhestras. No caso específico da notícia do Diário do Grande ABC, há evidentes contradições nas entrelinhas. Se as informações fossem gerenciadas com cuidado editorial, tornariam a matéria completamente diferente.
O mal maior não está na imprecisão do universo de supostas empresas que se teriam instalado em Santo André no ano 2000. Trata-se de evidente material ufanista porque não há consistência tanto na informação da formalização de novos negócios quanto, principalmente, na omissão de desativações no período.
Diferentemente do que está no texto, as supostas milhares de aberturas de empresas já não eram, naqueles dias, sinal positivo. Revelavam, isso sim, a deterioração do quadro econômico regional, devastado pelo desemprego industrial. Sem alternativas econômicas, recorreu-se ao empreendedorismo geralmente de precárias habilidades gerenciais. O boom de pequenos negócios não só em Santo André como nos demais municípios da região não foi acompanhado de qualquer planejamento público ou privado, como de resto em todo o País. Proliferaram negócios de sobrevivência em atividades como mercearias, bares, padarias, lanchonetes, lava-rápidos, locadoras de vídeos, entre tantos. Sobraram ofertas e faltaram consumidores. Canibalizou-se o mercado com a sobreposição de empresas exatamente num período em que grandes conglomerados comerciais invadiram a região.
A afirmação do presidente da Acisbec, Valter Moura, dando conta de que o ano 2000 foi muito bom para a economia, relacionando a formalização dos negócios à confiabilidade, é duplamente equivocada. Em 2000 o Grande ABC continuou a acumular perda econômica. Um exemplo é que o Índice de Participação da região no ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) do Estado caiu de 9,46% em 1999 para 8,83% em 2000 e voltou a tombar nos dois anos seguintes: 8,29% em 2001 e 8,05% em 2002.
O indicador do ICMS está conectado à temperatura econômica de cada Município porque é reflexo fiel da produção de riqueza. Bastam esses indicadores para exigir dos fornecedores de informações econômicas cuidado redobrado para não vender gato por lebre.
A formalização das empresas não é por si só, ao contrário do que disse Valter Moura, prova de aquecimento econômico. Sem a correlação de peso com a informalidade de um determinado período, os números absolutos dos formalizados não tem sustentação alguma. E o caso do Grande ABC degela qualquer tentativa de ludibriar a boa-fé: segundo pesquisas da Agência de Desenvolvimento Econômico, cresce anualmente o quadro de negócios informais no universo empreendedor da região, atingindo na última avaliação um terço dos estabelecimentos. Traduzindo: a informalidade é cada vez maior em relação à formalidade. Com o agravante de que as empresas documentalmente oficiais são, em larga maioria, de pequeno porte.
Já as declarações do dirigente de Diadema desmascara de vez a pirataria informativa: só há redução de aluguéis comerciais em mercados em baixa, ou mais precisamente em decadência — sobremodo porque não houve qualquer sinalização de boom de investimentos no setor imobiliário.
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01/04/2003 Quando a guerra fiscal está à sombra de tudo